Translater

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Moura embuçada [091]


 

A tua pele,
morena fortaleza nas areias ondulantes de silêncios,
é um oásis onde a sede se dissolve devorada
pelas águas transparentes
que me ofereces na seda do teu peito.
Os teus olhos,
faróis cegos no desejo sem receio do delírio,
são lemes que me acendem jeitos
para transpor nevoeiros cosidos por ventos parados
num mar de sombras sem terra à vista.
A tua boca,
arpão prendado a que me prendo,
é a ponte libertária do teu rio a transpirar,
rio escondido que transponho impaciente
na lareira que me sagras crepitante.
Porque tu,
moura embuçada em margaridas de mel ao luar,
és o sol dos meus gestos domingueiros
onde escrevo o rosário em que rezo, devoto,
os mistérios do teu corpo de eremita.
                                    
Jaime Portela

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Querias sonhar comigo [090]


 

Querias sonhar comigo
de olhos na água,
espelhos carregados
de madrugadas opacas
a romper janelas
povoadas de pássaros
de braços e pernas
atados nas mãos.
 
Querias sonhar comigo
de os olhos escuros,
noites geladas
encalhadas nas pedras
atoladas de gaivotas
com línguas de cão ofegante
cravadas em paus a comer areia.
 
Querias sonhar comigo
de os olhos quebrados,
pesadelos de morte
a perseguir o rosto
dos teus passos
tolhidos pelas solas
enterradas no chão movediço.
 
Apesar disso,
persististe no sonho,
dormiste até sonhar com as mãos
que te acordavam guitarra
em acordes de suspiros
na brancura de uma avenida
de abraços coroada.
 
Querias sonhar comigo
e conseguiste,
aconchegada
à embriaguez do meu peito,
então sorriste.
                                    
Jaime Portela

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Adormeço ao peito do compasso [089]


 

Adormeço ao peito do compasso
dos sussurros sublimados no teu colo,
onde se movem e crescem
[qual benquerença de deuses generosos]
as chamas ateadas
ao rubro cetim da paixão.
Renasces na suavidade ofegante
de estrelas diurnas
que tremulam palpáveis
na tua pele de amante,
nos aromas e nos abraços
preenchidos com o azul do teu ventre.
Morremos no instante
em que despimos e trocamos
humores há muito acorrentados
à nossa contínua saudade.
                                    
Jaime Portela

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Quero soltar-me prisioneiro [088]


 

 
Quero soltar-me prisioneiro
na vontade dos teus lábios,
na verdade crua
do teu grito açucarado,
no feitiço aos teus olhos
costurado com sorrisos de criança.
 
Quero afogar-me a pairar
na coragem distraída dos teus medos,
no vaso de fados dormente
da tua cama de linho,
na garganta que me chama
muda de assombro e ternura.
 
Quero enrolar-me em sossego
na desordem dos teus muros derrubados,
na nobreza engalanada
dos teus seios erguidos,
na fervência do teu corpo
em murmúrios de mulher.
 
Quero despir-te e deitar-me
na poesia nua de metáforas,
quero ser o reverso
no verso do poema que há em ti.
 
Jaime Portela